sábado, 25 de julho de 2009

A falta que faz ao Papa um pouco de marxismo

Leonardo Boff *

A nova encíclica de Bento XVI Caritas in Veritate de 7 de julho último é uma tomada de posição da Igreja face à crise atual. O complexo das crises, que atingem a humanidade e que comportam ameaças severas sobre o sistema da vida e seu futuro, demandaria um texto profético, carregado de urgência. Mas não é isso que recebemos senão uma longa e detalhada reflexão sobre a maioria dos problemas atuais que vão da crise econômica ao turismo, da biotecnologia à crise ambiental e projeções sobre um Governo mundial da Globalização. O gênero não é profético, o que suporia "uma análise concreta de uma situação concreta". Esta possibilitaria investir contra os problemas em tela na forma de denúncia-anúncio. Mas não é da natureza deste Papa ser profeta. Ele é um doutor e um mestre. Elabora o discurso oficial do Magistério, cuja perspectiva não é de baixo, da vida real e conflitiva, mas de cima, da doutrina ortodoxa que esfuma as contradições e minimaliza os conflitos. A tônica dominante não é a da análise, mas da ética, do dever-ser.

Como não faz análise da realidade atual, extremamente complexa, o discurso magisterial permanece principista, equilibrista e se define por sua indefinição. O subtexto do texto, ou o não-dito no dito, remete a uma inocência teórica que inconscientemente assume a ideologia funcional da sociedade dominante. Já se nota na abordagem do tema central - o desenvolvimento - hoje tão criticado por não tomar em conta os limites ecológicos da Terra. Disso a encíclica não fala nada. A visão é de que o sistema mundial se apresenta fundamentalmente correto. O que existe são disfunções e não contradições. Esse diagnóstico sugere a seguinte terapia, semelhante a do G-20: retificações e não mudanças, melhorias e não troca de paradigma, reformas e não libertações. É o imperativo do mestre: "correção", não a do profeta:"conversão".

Ao lermos o texto, longo e pesado, terminamos por pensar: como faria bem ao atual Papa um pouco de marxismo! Este, a partir dos oprimidos, tem o mérito de desmascarar as oposições presentes no sistema atual, pôr à luz os conflitos de poder e denunciar a voracidade incontida da sociedade de mercado, competitiva, consumista, nada cooperativa e injusta. Ela representa um pecado social e estrutural que sacrifica milhões no altar da produção para o consumo ilimitado. Isso caberia ao Papa profeticamente denunciar. Mas não o faz.

O texto do Magistério, olimpicamente fora e acima da situação conflitiva atual, não é ideologicamente "neutro"como pretende. É um discurso reprodutor do sistema imperante que faz sofrer a todos especialmente os pobres. Isso não é questão de Bento XVI querer ou não querer mas da lógica estrutural de seu tipo de discurso magisterial. Por renunciar a uma análise critica séria, paga um preço alto em ineficácia teórica e prática. Não inova, repete.

E ai perde uma enorme oportunidade de se dirigir à humanidade num momento dramático da história, a partir do capital simbólico de transformação e de esperança, contido na mensagem cristã. Esse Papa não valoriza o novo céu e a nova Terra, que podem ser antecipados pelas práticas humanas, apenas conhece essa vida decadente e, por si mesma insustentável (seu pessimismo cultural) e a vida eterna e o céu que ainda virão. Afasta-se assim da grande mensagem bíblica que possui consequências políticas revolucionárias ao afirmar que a utopia terminal do Reino da justiça, do amor e da liberdade só será real na medida em que se construírem e anteciparem, nos limites do espaço e do tempo histórico, tais bens entre nós.

Curiosamente, abstraindo de laivos fideístas recorrentes ("só através da caridade cristã é possível o desenvolvimento integral"), quando se "esquece" do tom magisterial, na parte final da encíclica, introduz coisas sensatas como a reforma da ONU, a nova arquitetura econômico-financeira internacional, o conceito do Bem Comum do Globo e a inclusão relacional da família humana.Parafraseando Nietzsche: "quanto de análise crítica o Magistério da Igreja é capaz de incorporar"?

* Teólogo, filósofo e escritor

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Os resquícios de um inferno

Por Tiago Barbosa Mafra *

Em 20 de Julho de 1944 o Coronel Conde Claus von Stauffenberg, oficial do exército alemão em guerra, malogrou na mais famosa entre tantas tentativas de assassinato a Hitler. Era o sinal de que nem todo o povo alemão estava de acordo com as atrocidades colocadas em prática antes e durante o conflito. Pouco menos de um ano depois estava acabada a guerra na Europa e Hitler suicidou-se. Mas morreu com ele o nazismo?
Infelizmente é perceptível que não. Com a fuga dos políticos e militares sobreviventes, ou mesmo através de obras escritas propagadas indevida e ilegalmente pelo mundo, tem-se uma continuidade das idéias racistas, discriminatórias e intolerantes em relação a tudo considerado diferente do padrão “branco alemão”, o ariano puro.
Até mesmo no Brasil, no meios de comunicação virtual atuais, milhares e milhares de portais virtuais e blogs difundem idéias que se esperava estivessem esquecidas. E pasmem leitores: aqui mesmo em nossa cidade, Poços de Caldas, vivenciei está semana a facilidade com que esses verdadeiros crimes se mantem em andamento.
Ao buscar algumas obras de interesses para minhas pesquisas, me deparei com dois exemplars do livro Holocausto: judeu ou alemão?, de Siegfried Ellwager Castan, conhecido e repudiado no meio acadêmico como S. E. Castan. Desde 1986, Castan é denunciado pelos Movimentos Populares Anti-Racismo do Rio Grande do Sul, sendo que em 1991 o Ministério Público determinou a busca e apreensão de todos os títulos publicados pela Editora Revisão (da qual Castan é proprietário), incluindo o livro acima citado.
O que não consigo compreender é como essas obras ilegais e revisionistas, de cunho nazista, continuam à disposição da população e principalmente e mais preocupante, ao alcance da juventude, em uma das maiores bibliotecas do município, a Biblioteca Centenário, locada no prédio da Urca.
Encaminhei um pedido de retirada dos livros para a administração das bibliotecas e creio que as devidas medidas estejam sendo tomadas. O que mais assusta, como cidadão e educador, é saber que em tempos de crises e dificuldades, propostas de soluções rápidas e eficazes sempre fascinam a juventude. E o que nós menos precisamos agora é dotar o povo, já massificado pelos meios de comunicação e obrigados a pensar mais rápido e não a pensar melhor, com posicionamentos intolerantes, de aversão a tudo que não é considerado superior.
Todo cuidado é pouco. O chefe da propaganda nazista dizia: “uma mentira repetida mil vezes se torna verdade”. Foi assim que eles procederam. E é contra essas mentiras que devemos lutar.

* Tiago Barbosa Mafra é professor de Geografia na Rede Municipal de Ensino e no curso pré-vestibular comunitário Educafro.
tiago.fidel@yahoo.com.br

segunda-feira, 20 de julho de 2009

A MÍDIA E A BANALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Por Marcelo Fernandes Fonseca de Oliveira*

“Ninguém escapa da educação”, nos recorda e alerta Carlos Rodrigues Brandão [1]. Acompanhamos diariamente um discurso, que se torna cada vez mais discurso, tanto na mídia como na política, a temática: Educação. Educação como aporte para um futuro melhor. E sabemos disso. Sabemos o quanto uma educação progressista, humanista, libertadora e de qualidade é capaz de tirar as amarras e as vendas da juventude brasileira.
No entanto, a mídia que se diz apoiadora de uma educação qualitativa, em contrapartida, a apresenta em horário nobre da TV aberta brasileira com o estereótipo de uma “escola muito louca”.
Levei este debate para a sala de aula. Meus alunos, do primeiro ano do Ensino Médio, não gostaram das comparações. Afinal, o que esta escola muito louca quer mostrar? Será que nossa educação é assim? É essa a imagem da Educação brasileira? Se for, estamos fadados ao fracasso...
Ao apresentar uma escola desta forma, a mídia brasileira mais uma vez (Escolinha do Professor Raimundo, Escolinha do Golias), não está contribuindo em nada para a melhoria da educação. Aliás, penso eu, banaliza.
Um bando de alunos idiotas (opinião minha e de meus alunos), respondem a questionários pedagogicamente sem sentido. Os tipos são mal representados. O atleta, o fankeiro e o marginal. Banalizam as mulheres: muito corpo, pouca roupa e pouco cérebro. O chinês é o contrabandista, além do CDF, é claro.
O barato é fazer rir. Rir do professor, classe profissional que luta diariamente para recuperar seu prestígio na sociedade. Sidney Magal nos representa, e encerra sua aula dizendo: “eu poderia só cantar...”, como se educar fosse um passatempo, uma tarefa aparte. O que pensaria nosso grande mestre Paulo Freire...
Não possuímos uma educação perfeita, temos muito que melhorar. E muitos professores comprometidos lutam diariamente para isso. Para tanto, a grande mídia, que se diz tão incentivadora de uma educação de qualidade, poderia abrir espaços para debates consistentes e produções criativas sobre os mais diversos temas, e não nos apresentar como um bando de tolos.
Não somos assim; e o perigo se encontra na formação de opinião. Eles têm esse poder manipulador. E se querem nos apresentar desta forma, lutaremos contra; sempre.
Professores e alunos comprometidos com uma EDUCAÇÃO de qualidade, uni-vos!

*Professor de História e Geografia da rede pública estadual de Poços de Caldas – MG
marceloffoliveira@hotmail.com

[1] BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação – SP: Brasiliense; 2005

segunda-feira, 6 de julho de 2009

A DEMOCRACIA DA MINORIA


Por Marcelo Fernandes Fonseca

A organização social e política do Brasil, que fora e continua sendo ideologicamente construída, possui vestígios de uma sociedade que, segundo Marilena Chauí, “é marcada pela estrutura hierárquica do espaço social (...) fortemente verticalizado”. Ou seja, as relações entre os grupos sociais são e estão estabelecidas da seguinte forma: “um superior que manda e um inferior que obedece”.[1]
Raymundo Faoro, salienta que o poder efetivo de comando prevalece a mercê de uma pequena parcela da sociedade. Diz: “o estamento, quadro administrativo e estado-maior de domínio, configura o governo de uma minoria (...), o efetivo comando da sociedade, não se determina pela maioria, mas pela minoria, que a pretexto de representar o povo, o controla, deturpa e sufoca”.[2]
Vivemos em pleno o século XXI, o ranço de uma herança senhorial, marcada pelo conservadorismo paternalista da minoria. E o povo? Percebemos historicamente, a mínima participação das camadas populares nos eventos econômicos, sociais e políticos do Brasil. Juntamente com a escravidão, são fatores, que de certa forma, nortearão a formação do Estado Nacional Brasileiro. Vejamos alguns exemplos na História.
Revoltas ocorridas no Brasil nos séculos XVII e XVIII, nativistas ou separatistas, como Beckman, Mascates, Felipe dos Santos, foram lideradas pela elite colonial. Emilia Viotti da Costa nos mostra que “entre os Inconfidentes, a maioria era composta de proprietários e altos funcionários”. Na Conjuração Baiana, a participação popular foi um pouco mais numerosa, porem, o grupo dominante era “constituído por elementos instruídos e de recursos, e figuras importantes da sociedade”.[3]
Com a chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil no inicio do século XIX, a autoridade política dos grandes proprietários aumenta. Por estarem geograficamente afastados do núcleo político nacional, a cidade do Rio de Janeiro, controlavam e direcionavam o poder local. Segundo Maria Isaura de Queiroz, “os senhores de engenho do Nordeste e os fazendeiros do Vale do Paraíba, estabelecidos a mais tempo na política, detinham o poder”.[4] A aristocracia brasileira comandava as Câmaras Municipais, controlavam a vida de seus subordinados e faziam leis em beneficio próprio.
As vésperas da Independência, diante das contradições e do choque de interesses dos controladores do poder, prevaleceram segundo Caio Prado Junior, as intenções do Partido Brasileiro. Para o autor, o Partido Brasileiro “representava as classes superiores da colônia, grandes proprietários e seus aliados”.[5] E o povo?
Durante a Proclamação da República o povo assistia a tudo “bestializado” [6]; na chamada República Velha, fraudes e interesses econômicos mantinham a elite no poder. Quando reformas de base estavam previstas, militares, com discurso de defender a honra da pátria contra o comunismo, mas aliados a burguesia nacional, assumem o poder. Adeus reformas... Adeus democracia.... E o povo?
Percebemos, a partir desta pequena amostra, que nos principais momentos da História do Brasil, a participação popular fora diminuta. A camada mais baixa da população esteve e está suprimida em nome dos interesses de uma minoria. Interesses disfarçados de democracia, mas para quem? Revoltas populares ocorreram, porem eram localizadas e facilmente controladas.
A dominação social prevalece. A política local, principalmente no interior ainda é controlada por oligarquias que dominam determinadas regiões do Brasil. O trânsito de tais oligarquias na capital federal é livre; manda e desmandam. Sarneys, Magalhães.....Vivemos orquestrados sob a batuta da democracia de poucos. Poucos podem, poucos fazem, e fazem pouco. Eles regem nossa vida, e se dizem democráticos; fazem leis em benéfico próprio e desrespeitam o primeiro artigo de nossa Constituição: “Todo poder emana do povo”.

[1] CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária – São Paulo: Perseu Abramo; 2007.
[2] FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro – São Paulo: Globo, 1997. vol 1.
[3] COSTA, Emilia Viotti. Da Monarquia a República: momentos decisivos – São Paulo: Brasiliense, 1994
[4] QUEIROZ, Maria Isaura. O mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios – São Paulo: Alfa - Omega, 1976
[5] PRADO JUNIOR, Caio. Evolução política do Brasil e outros estudos – São Paulo: Brasilense, 1994
[6] CARVALHO, Jose Murilo. Os bestializados – São Paulo: Companhia das Letras, 1987

domingo, 5 de julho de 2009

A Ditadura da Maioria

Por Tiago Barbosa Mafra

O discurso corrente na atualidade é que a humanidade, mais especificamente o homem ocidental, alcançou o modelo mais perfeito de governo: a democracia. Diante de algumas questões da política brasileira e afirmações lançadas recente e continuamente na mídia, cabem certas analises. O que é democracia? Estará ela tomada por idiotas? O objetivo deste artigo é fazer uma breve reflexão a partir do artigo de Luiz Felipe Pondé, sobre como o modelo econômico vigente atrelado aos meios de comunicação, contribuem para a apatia política do país, e paralelamente, para um entrave na busca por uma democracia verdadeira e efetiva.
O que é democracia, afinal? Utilizando simplesmente a etimologia, é o governo do povo, para o povo, pelo povo. É, portanto, a população governando a si mesma, visando sempre sanar os problemas da vida cotidiana e atender às necessidades da maioria, do coletivo, na busca da garantia da sua sobrevivência justa e digna.
Em contrapartida, o que assistimos hoje, segundo o texto de Luiz Felipe Pondé veiculado na Folha em 08/06/09, “A ciência idiota da política”, é a democracia confundida com a relação entre opinião pública (moldada) e a vontade popular. Segundo o texto, a soberania popular tem continuamente sido tomada como sendo a opinião pública veiculada pela estrutura midiática que proclama saber “o que o povo pensa”.
Tal discussão ganha força frente a rumores de um possível terceiro mandato do presidente Luís Inácio da Silva (o qual já descartou a possibilidade), que intriga e confunde favoráveis e contrários à medida. O texto em questão afirma que o modelo presidencialista de governo “(…) corre maior risco de cair na armadilha personalista e populista do executivo” (1). Para demonstrar que a causa do rebuliço não é a permanência do presidente Lula, como querem os “idiotas”, e muito menos a defesa da “estrutura democrática” das mazelas da personificação do poder, faz-se necessário atentar para os seguintes pontos, que descobrem a verdadeira inquietação.
Primeiramente é preciso contextualizar o que chamamos de “democracia brasileira”. Vive-se atualmente em uma profunda “apatia política” (2). A maioria do povo, outrora ligado a partidos ou a ideologias e que utilizavam tais instrumentos como canalizadores da vontade popular, não mais se envolvem em qualquer atividade de reivindicação ou condução popular. “A política está fora da realidade das pessoas” (3).
É nessa lacuna criada pela apatia política, que se consolida o primado dos interesses econômicos sobre o interesse político popular. Vivendo em um modelo econômico que se baseia na propriedade privada, na exploração do trabalho e na concentração de renda por grandes monopólios e oligopólios, resta à massa trabalhadora a corrida constante pela garantia da sobrevivência, pouco importando a atuação política que nada de material, pelo menos imediatamente, lhe trás. Torna-se escasso até mesmo o tempo de reflexão sobre a conjuntura do poder no país. Porém, nesse momento, se encaixam os meios de comunicação.
A mídia, que não está suspensa da realidade, comunga com o povo do mesmo modelo capitalista e em grande parte, a ele serve. Por serem os meios de comunicação, acima de tudo, propriedades privadas, atuam portanto de acordo com os interesses de seus proprietários, optando por orientar o enfoque sobre determinadas questões de maneira que lhes é mais conveniente e economicamente viável. O povo então, desprovido de pensamento próprio e acreditando em uma neutralidade dos meios de comunicação (que não existe e nunca existirá), adota como seu pensamento que não lhe é autêntico.
Já é perceptível o discurso contra os “idiotas” que defendem a possibilidades de um terceiro mandato. Sim, por que nos últimos anos à medida que cresce a Participação popular no exercício do poder, ou os fins da atividade estatal se dirigem de preferência para o atendimento dos clamores de melhoria e reforma social, erguidos pelas classes mais impacientes da sociedade, cresce concomitantemente o prestígio dos partidos, e se firma como Consenso geral a convicção de que ele é imprescindível à democracia em seu estado atual, e com ela se identifica quanto a tarefas, fins e propósitos almejados (4).
Durante os dois mandatos do presidente Lula, o que é visível é uma tentativa, mesmo que paulatina, de transformação das estruturas de distribuição de renda (5) . Contrariando expectativas de intelectuais e trabalhadores, o governo do presidente atual, partidário de uma organização política que estatutariamente se declara socialista, é mais reformista do que revolucionário. Entretanto, mesmo as “reformas”, não agradam as elites do país por colocarem em risco a relativa tranquilidade que já gozam a tempos. Portanto, não é a continuidade da pessoa, o populismo, não é a raiz do problema, mas sim a continuidade do projeto de construção de um Estado que utiliza dos instrumentos da máquina pública para o fortalecimento do próprio Estado e o benefício do povo. Aliás, nada mais justo do que a estrutura pública a serviço do povo.
Esclarecida a questão, resta então o ponto mais importante: a construção de uma verdadeira democracia, desvinculada do padrão contemporâneo exposto por Eduardo Bittar:“Seria a associação entre capitalismo, liberalismo e democracia uma espécie de bastião transformador da realidade política contemporânea, ou simples aparato ideológico de expansão do ideário moderno, progressista e acumulador de riquezas de alguns países industrializados? (6)” Para que essa verdadeira democracia concretize-se é indispensável e determinante um cidadão educado politicamente, capaz de interpretar e se posicionar frente as condições políticas que lhe são postas, sem que seja impulsionado a “comprar” uma idéia que não é sua, ou seja, compartilhar da opinião pública forjada sob interesses daqueles que controlam a mídia. Isso só será possível com a transformação do súdito da ditadura da maioria burra em cidadão atuante e consciente, que busque a construção da verdadeira democracia , onde, como foi definido no começo deste texto, impere o interesse coletiva sobre o interesse particular, findando o primado da economia sobre a política.
Tão idiotas quanto os que creem na continuidade do presidente Lula como solução das mazelas brasileiras, são também os que esperam que unicamente a rotatividade no poder garanta a sobrevivência da democracia brasileira nos moldes tradicionais. Para finalizar, não é possível passar em branco a alfinetada de Pondé quando este escreva: “Qualquer pessoa que seja favorável a um terceiro mandato de Lula (…) tem sonhos eróticos com (…) a ‘monarquia popular de Fidel (7)” .
Para tanto, e encerrando, cito Frei Betto:“Cuba resiste como único exemplo latino americano de democracia social e econômica (…) Quem considera que democracia se reduz a eleições periódicas não deve esquecer que em Cuba não há massacres do tipo Carandiru, grupos de extermínio, sequestros, desaparecimentos, assassinatos de crianças, aposentados desassistidos e extorsão financeira para acesso a saúde e a educação, que são gratuitas. (…) Por isso Cuba incomoda que acredita que encher urnas é mais importante que encher barrigas. Mesmo por que essa gente nunca passou fome. No máximo, teve apetite, com direito a couvert. (8)”
1 Folha de São Paulo. Luiz Felipe Pondé, “A ciência idiota da política”, 08/06/09.
2 Olhemos ao nosso redor. Nas democracias mais consolidadas assistimos impotents ao fenômeno da apatia política, que frequentemente chega a envolver cerca de metade dos que têm direito ao voto. Do ponto de vista da cultura política, estas são pessoas que não estão orientadas nem para os output nem para os input. Estão simplesmente desinteressadas daquilo que, como se diz na Itália com uma feliz expressão, acontece no “palácio”. Sei bem que também podem ser dadas interpretações benévolas da apatia política. Mais inclusive as interpretações mais benévolas não conseguem tirar-me da mente que os grandes escritores democráticos recusar-se-iam ao reconhecer na renúncia ao uso do próprio direito um benéfico fruto da educação para a cidadania. – BOBBIO, N.. “O futuro da democracia”. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986: 32.
3 BITTAR, E.. “Curso de filosofia política”. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2005: 32.
4 “A democracia”, 277.
5 Exemplo é a medida do ultimo dia 16/06/2009, Terça Feira, em que ficou determinada a compra de 30% da merenda escolar de todo o país de pequenos proprietários agrícolas, que se organizam no modelo de agricultura familiar.
6 BITTAR, E.. “Curso de filosofia política”. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2005: 34.
7 Folha de São Paulo. Luiz Felipe Pondé, “A ciência idiota da política”, 08/06/09.
8 Texto de Frei Betto citado no jornal O Estado de São Paulo em 05/04/1995.
Tiago Barbosa Mafra é professor de Geografia e companheiro de lutas populares aqui em Poços de Caldas