domingo, 18 de outubro de 2009

O legado de Che Guevara

por João Pedro Stedile

Em 8 de outubro cumpre-se o aniversário do assassinato de Che Guevara pelo exército boliviano. Após sua prisão, em 8 de outubro de 1967, foi executado friamente, por ordens da CIA. Seria ''muito perigoso'' mantê-lo vivo, pois poderia gerar ainda mais revoltas populares em todo o continente.

Decididamente, a contribuição de Che, por suas idéias e exemplo, não se resume a teses de estratégias militares ou de tomada de poder político. Nem devemos vê-lo como um super-homem que defendia todos os injustiçados e tampouco exorcizá-lo, reduzindo-o a um mito.
Analisando sua obra falada, escrita e vivida, podemos identificar em toda a trajetória um profundo humanismo. O ser humano era o centro de todas as suas preocupações. Isso pode-se ver no jovem Che, retratado de forma brilhante por Walter Salles no filme Diários de Motocicleta, até seus últimos dias nas montanhas da Bolívia, com o cuidado que tinha com seus companheiros de guerrilha.

A indignação contra qualquer injustiça social, em qualquer parte do mundo, escreveu ele a uma parente distante, seria o que mais o motivava a lutar. O espírito de sacrifício, não medindo esforços em quaisquer circunstâncias, não se resumiu às ações militares, mas também e sobretudo no exemplo prático. Mesmo como ministro de Estado, dirigente da Revolução Cubana, fazia trabalho solidário na construção de moradias populares, no corte da cana, como um cidadão comum.

Che praticou como ninguém a máxima de ser o primeiro no trabalho e o último no lazer. Defendia com suas teses e prática o princípio de que os problemas do povo somente se resolveriam se todo o povo se envolvesse, com trabalho e dedicação. Ou seja, uma revolução social se caracterizava fundamentalmente pelo fato de o povo assumir seu próprio destino, participar de todas as decisões políticas da sociedade.

Sempre defendeu a integração completa dos dirigentes com a população. Evitando populismos demagógicos. E assim mesclava a força das massas organizadas com o papel dos dirigentes, dos militantes, praticando aquilo que Gramsci já havia discorrido como a função do intelectual orgânico coletivo.

Teve uma vida simples e despojada. Nunca se apegou a bens materiais. Denunciava o fetiche do consumismo, defendia com ardor a necessidade de elevar permanentemente o nível de conhecimento e de cultura de todo o povo. Por isso, Cuba foi o primeiro país a eliminar o analfabetismo e, na América Latina, a alcançar o maior índice de ensino superior. O conhecimento e a cultura eram para ele os principais valores e bens a serem cultivados. Daí também, dentro do processo revolucionário cubano, era quem mais ajudava a organizar a formação de militantes e quadros. Uma formação não apenas baseada em cursinhos de teoria clássica, mas mesclando sempre a teoria com a necessária prática cotidiana.

Acreditar no Che, reverenciar o Che hoje é acima de tudo cultivar esses valores da prática revolucionária que ele nos deixou como legado.

A burguesia queria matar o Che. Levou seu corpo, mas imortalizou seu exemplo. Che vive! Viva o Che!

João Pedro Stedile é membro da coordenação nacional do MST e da Via Campesina.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

MST ocupa fazenda grilada pela Cutrale

Do Centro Acadêmico de Comunicação “Florestan Fernandes”

http://cacoffunesp.blogspot.com/

A grande imprensa no último dia 05 de outubro alardeou a “invasão” de terra provocada por integrantes do MST. Em voos razantes a PM captou imagens de um trator cortanto pés de laranja. Como é de costume, a mídia apresenta os fatos sem uma necessária contextualização do problema com o intuito claro de colocar a opinião pública contra os movimentos sociais. Esses movimentos lutam pelo real desenvolvimento social do país frente ao grande crescimento econômico que aquece a conta corrente daqueles que estão no topo da escala social.A região mostrada na imprensa, Aras, Agudos, Borebi, no centro-oeste do Estado de São Paulo, onde hoje a empresa Cutrale tem imensas plantações de laranja, tem sua história abafada pelos interesses dos grandes latifundiários brasileiros. Vamos a ela então.No início do século XX o Governo Federal destinou naquela região mais de 50 mil hectares para a colonização italiana. No entanto, isso não foi possível pois os fazendeiros do café entendiam que essas terras para colonização italiana diminuiriam a oferta de trabalho barato nas plantações de café, e como é de costume, impediram que essas terras fossem destinadas para o fim proposto.Com o passar do tempo esses 50 mil hectares foram sendo grilados por grandes empresas, principalmente madeireiras. Um pouco mais recente é a entrada da Cutrale nessa região através de terras griladas. Hoje a Cutrale mantém ali uma plantação de cerca de 4 mil hectares apenas de laranja. Só a título de exemplo, com esse número mais de 130 famílias poderiam estar assentadas e plantando alimentos necessários para a alimentação da população, já que não só de laranja vive o homem.Essas terras da região centro-oeste são uma reinvidicação de mais de 15 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra para que ela seja destinada a reforma agrária e contribua para a melhora do quadro social do país. Segundo o INCRA, orgão governamental que regula a reforma agrária, a invasão da Cutrale é ilegal e as terras deveriam ser devolvidas ao governo federal.Mais de 350 famílias ocupam essa região como forma de pressão para que as terras do governo sejam destinadas à reforma agrária. Parece inconcebível que uma mega empresa, através de meios obscuros como é a grilagem, explore a terra apenas para lucro próprio sem ter pago nenhum centavo, enquanto milhares de famílias continuam na luta por um pedaço de terra agricultável.Na região de Borebi alguns pés de laranja, entre os 4 mil hectares plantados, foram derrubados para que arroz, feijão, milho, batata pudessem ser plantados. Não nos esqueçamos nunca que a reforma agrária é imprescindível para a construção de um país realmente justo, democrático e menos desigual.Enquanto o Brasil continuar com uma ditribuição fundiária quase feudal, os números midiáticos continuarão nos falando lindas mentiras e a realidade, duras verdades.Lembrando de João Cabral de Melo Neto, pergunto: qual será a parte que cabe ao povo neste latifúndio chamado Brasil?